BRASIL-EUROPA
PROCESSOS CULTURAIS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

 
 
























Royaumont. Foto A.A.Bispo 1984. Arq. A.B.E.
Abbaye Royaumont - Centro Royaumont para uma Ciência do Homem


Com o direcionamento da atenção a processos propugnada pelo movimento de renovação dos estudos e da prática cultural que levara à instituição da sociedade Nova Difusão em 1968, mudanças culturais, transpassagens de esferas e imigrações, integrações e diferenciações, aculturações, processos trans-culturais passaram a constituir o centro das atenções.


Esses problemas, discutidos no Centro de Pesquisas em Musicologia em São Paulo, incluiu a participação de pesquisadores de diferentes áreas, sendo os diálogos e as interações conduzidas em encontros, com pesquisadores estrangeiros em visita e por correspondência. Criou-se, nesse centro, o Laboratório de Percepção e Sinestesia, o primeiro do gênero.


Com a introdução da Etnomusicologia nos estudos superiores e na formação de professores de música e artes em São Paulo, em 1972, intensificaram-se no Brasil as discussões sobre a posição dessa área entre Antropologia Cultural e Musicologia, nas suas relações com a área do Folclore e da Sociologia, assim como dos problemas relacionados com a sua denominação.


Especialmente debatidas em cursos de Etnomusicologia recém criados foram obras relativas à aculturação indígena de Egon Schaden e, sobretudo,a o Estruturalismo de Claude Lévy-Strauss, autor particularmente vinculado à história da Universidade de São Paulo. No âmbito dos estudos extra-acadêmicos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo discutiu-se, entre outros, textos de Abraham A. Moles, do Instituto de Psicologia Social da Universidade de Strassburg.


Considerando-se o Estruturalismo nas áreas da Etnomusicologia, da Estruturação e Estética na Faculdade de Música e Educação Artística de São Paulo, debateu-se criticamente a problemática da aproximação metodológica de Claude Lévy-Strauss devido ao emprêgo de conceitos e concepções formais da morfologia musical na pesquisa antropológica.


A atenção dirigida a processualidades, à superação de categorizações do objeto, de distinções entre o europeu e o extra-europeu, trouxe ao debate a questões da unidade do Homem e, assim, a de universais na música.


Esse complexo temático foi discutido não apenas com pequisadores - entre outros com aqueles preocupados com a redefinição da área do Folclore - , mas sim também com membros da Sociedade Brasileira de Filosofia e da Sociedade Brasileira de História da Ciência.


Sendo a obra The Anthropology of Music de Alan P. Merriam texto básico empregado no curso de Etnomusicologia na sua introdução no Brasil, constatou-se nos debates diferenças teóricas quanto a compreensões de Antropologia do pesquisador norte-americano e as tendências e diretrizes do pensamento que se desenvolvia no Brasil.


O grupo de trabalho constituído por pesquisadores, graduandos e pós-graduandos de Etnomusicologia, reconhecendo a inadequabilidade da designação da área, passou a compreender-se como músico-antropológico, defendendo os termos Músico-Antropologia ou Antropologia da Música, o que não deveria ser compreendida apenas como um sinônimo de Etnomusicologia.


Com o início do programa de interações iniciado com o apoio do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) na Europa, em 1974, deu-se continuidade aos debates em diferentes instituições e áreas, salientando-se aqui o Institut für Völkerkunde da Universidade de Colonia.


Aspecto particularmente considerado da parte brasileira quando da criação do Institut für hymnologische und musikethnologische Studien da organização pontifícia de música sacra foi a de que há concepções de natureza antropológica inerentes à linguagem visual de tradições festivas de cunho religioso do Catolicismo.


A pesquisa antropológico-cultural não poderia deixar de considerar essa antropologia intrínseca, exigindo-se uma complexa diferenciação de aproximações no sentido de uma „antropologia da antropologia“. Nesse debate, embora salientando-se a diversidade, questões relativas à unidade do Homem e a universais continuaram a constituir foco de atenções. Significativamente, dedicou-se o Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira de 1981 ao tema Unidade na Diversidade e Diversidade na Unidade.


Essa expressão frequentemente utilizada nos estudos culturais católicos, passou, porém por uma distinção em continuidade à discussão euro-brasileira: tratava-se de considerar, nos estudos antropológico-culturais sensíveis a concepções antropológicas intrínsecas a expressões tradicionais relações inerentes de diversidade e unidade, considerando que também esta poderia ser compreendida em diferentes sentidos - ou seja, uma pluralidade.


Significativamente, duas questões foram tematizadas em colóquio sobre as influências recíprocas entre a Europa e a América Latina realizado em cooperação com as Comunidades Européias pelo Museu Instrumental Real de Bruxelas a partir de 1982: o da necessária consideração da antropologia intrínseca, no caso cristã no enfoque antropológico-cultural de tradições latino-americanas e dos problemas do monopluralismo, sobretudo sob o aspecto de seus plurais.


Dando continuidade a esses debates e procurando aprofundá-los em retomada mais consciente da discussão de década, organizou-se, pelos dez anos do início do programa de interaçãos na Europa para a renovação de perspectivas e práticas, um encontro em 1984 na Abbaye de Royaumont, centro da Fondation Royaumont para a ciência do Homem.


Esse evento, com Isabel Goüin, Luis Heitor Correa e Azevedo, foi dedicado à discussão das proposições antropológico-culturais do programa de interações à luz das concepções relativas á Antropologia Fundamental estudadas no centro de Royaumont.


Royaumont. Foto A.A.Bispo 1984. Arq. A.B.E.
Nesses debates relativos à unidade do Homem, considerando-se a necessidade de uma superação do abismo entre religião, ciência da cultura antropocêntrica e ciências naturais, deu-se atenção a perspectivas biológicas e da medicina.


A participação de médicos no âmbito do programa de interações euro-brasileiro e da discussão de relações entre invariants biológicos e universais culturais  intensificara-se a partir de 1976, destacando-se, entre outros, o Dr. Acelino Pontes (Fortaleza), representante de sociedade brasileiro-alemã de medicina, e, a seguir, o Dr. Harald Hülskath.


Na biblioteca de Henry e Isabel Goüin, após reflexões sobre o papel dos estudos baseados em fontes históricas no tratamento de processos músico-culturais, como salientado por musicólogos de orientação histórica, tratou-se das implicações que a orientação do programa trazia para os estudos voltados à cultura musical do mundo lusófono.


Foram consideradas, nos debates vários pensadores relacionados com a temática, entre êles André Béjin do Centro de Estudos Transdisciplinares de Paris (CETSAS), Jacques Mehler, do Centro Nacional de Pesquisa Científica/Laboratório de Psicologia da Casa das Ciências do Homem de Paris, Edgar Morin, diretor de pesquisas do Centro Nacional da Pesquisa Científica e co-diretor do Centro de Estudos Transdisciplinares, presidente do conselho científico do Centro Roayaumont para uma ciência do homem, Massimo Piattelli-Palmerini, diretor do Centro Royaumont, Maurice Godelier, do Laboratório de Antropologia Social do Colégio de França,  Emmanuel Le Roy Ladurie, do Centro de Pesquisas Históricas da Casa das Ciências do Homem de Paris, Dan Sperberger, do Laboratório de Etnologia e de Sociologia Comparativa da Universidade de Paris-X de Nanterre, além de Constantin Jelinski, Irène Chapellaubeau, Henri Atlan, Georges Balandier, Heinz von Foersteer e Jacques Ruffié, iretor do Centro de Antropologia do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Toulouse.


Nesse encontro, foram lançadas as bases para a participação do Brasil e de Portugal no „Ano Europeu da Música“ de 1985, que culminou com a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.e.V.).


As discussões músico-antropológicas marcadas pelo encontro com a Antropologia Fundamental de Royaumont levaram à fundação e registro, em 1993, da Sociedade de Antropologia da Música. Essa sociedade representou uma reestruturação de sociedade de Etnomusicologia criada em São Paulo, em 1973. As reflexões encetadas em Royaumont tiveram continuidade no simpósio internacional Anthropos ludens pelos 500 anos da viagem de Vasco da Gama, realizado em diferentes cidades de São Paulo em 1998.