BRASIL-EUROPA
PROCESSOS CULTURAIS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

 
 
Dulce Martins Lamas e A.A.Bispo, Rio 1992. Arquivo A.B.E.

International Council for Traditional Music (ICTM)


O movimento de renovação de perspectivas teóricas e de prática cultural iniciado em 1964 em São Paulo e constituido em sociedade em 1968, foi sempre estreitamente relacionado com o debate no âmbito dos estudos do Folclore.


A superação de categorizações do objeto segundo esferas culturais e artísticas do erudito, popular e do folclore tinha diretamente implicações quanto à definição desta área de estudos.


Sobretudo o Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore, sob a presidência de Rossini Tavares de Lima, relacionou-se estreitamente com o movimento renovador, procurando novas possibilidades de definição do objeto de estudos ou de compreensões do que poderia ser designado como cultura folclórica ou folk.


Essas tentativas de determinação de uma Ciência do Folclore concentravam-se no conceito de espontaneidade na cultura. Ainda que diferenciando-se aqui da orientação do movimento, esses ímpetos renovadores possibilitaram proximidade humana e profissional, diálogos e cooperações, o que teve continuidade por décadas. Importante personalidade representativa de concepções marcadas por posicionamentos nacionalistas tanto histórico-musicais como de pesquisa de tradições populares que passavam a ser questionadas no âmbito desse movimento renovador foi Renato Almeida.


Apesar das diferenças de concepções e posições, a sua obra e a sua posição de liderança determinavam os estudos de folclore em dimensões nacionais. Renato Almeida era estreitamente relacionado com o International Folk Music Council, tendo feito parte do corpo executivo como representante do Brasil quando da fundação da organização em 1947.


A moção para a criação dessa entidade nascera no âmbito da International Conference on Folk Song and Folk Dance em Londres, realizada naquele ano sob a direção de Maud Karpeles, subvencionada pelo English Folk Dance and Song Society remontantes a fundos da International Folk Dance Conference and Festival de 1935.


Junto a Renato Almeida fazia parte também do corpo executivo entre outros Claudie Marcel-Dubois, representante da França, e que desempenhou importante papel na formação de pesquisadores brasileiros. Renato Almeida era desde as grandes realizações pelo IV Centenário de São Paulo, em 1954, o vulto líder do movimento folclórico do Brasil, tendo reorganizado as Comissões Estaduais, promovendo festivais regionais, planejando o III Congresso Brasileiro de Folclore, a fundação do Museu de Folclore do Rio de Janeiro, realizando conferências e publicando, entre outros a obra A Inteligência do Folclore.


Relacionado por elos humanos com Rossini Tavares de Lima, uma das maiores obras relativas aos estudos do folclore e ao International Folk Music Council foi por êle publicada em homenagem a Renato Almeida. Essa obra foi oferecida ao representante do movimento Nova Difusão por ocasião de conferência sobre „Folk-Urbanismo“ no Museu de Artes e Técnicas Populares, em 1973, sinalizando também a mudança de perspectivas na área de estudos.


Um ano após a fundação da Nova Difusão, em 1969, o Journal International Folk Music Council, editado desde 1949 e que constituia órgão fundamental de informação para os círculos de pesquisadores voltados ao folclore no Brasil, passou a ser o Yearbook of the International Folk Music Council.


Quando da introdução da área da Etnomusicologia nos estudos superiores da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, estabeleceram-se contatos com Klaus P. Wachsmann, então presidente do Council. Essas relações aprofundaram-se com a instalação européia do programa em 1974, possibilitada pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD).


As interações com K. P. Wachsmann decorreram tanto no âmbito dos trabalhos da seção de Etnomusicologia do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, como na da seção de Etnomusicologia do instituto de estudos hinológicos e etnomusicológicos então criado pela organização pontifícia de música sacra.


No primeiro caso, os interesses se concentraram sobretudo na problemática da aculturação, conceito que havia sido condutor nos debates brasileiros levados a efeito nos cursos internacionais de Curitiba a partir de 1967 e que eram discutidos a partir de posições de Egon Schaden relativamente a mudanças culturais indígenas.


As concepções de Wachsmann diferenciavam-se porém daquelas do programa euro-brasileiro. No segundo caso, os contatos intensificaram-se à época da preparação dos debates relativos à África no âmbito do IX Congresso Internacional de Música Sacra, levado a efeito em Bonn, em 1979.


Na sessão de debates sobre orientação dos estudos, metodologias e conceituações realizada em 1981 no Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore com representantes de universidades européias, em particular do Instituto de Musicologia Comparada da Universidade Livre de Berlim, um dos temas discutidos de forma controversa foi o da mudança de nome da instituição para International Council for Traditional Music.


Essa mudança contrariava as tendências de pensamento e de conceituação dos folcloristas brasileiros no âmbito do Museu, uma vez que uma das principais preocupações renovadoras tinha sido há anos a de um distanciamento relativador quanto ao conceito de tradição, acentuando-se uma concepção que partia de uma dinâmica cultural espontânea, não dirigida no presente.


A Profa. Dra. Dulce Martins Lamas, membro do ICTM, desempenhou papel significativo na realização do segundo congresso brasileiro de musicologia, realizado no Rio de Janeiro, em 1992. A Profa. Lea Maria da Rocha, como discípula de Claudie Marcel-Dubois, considerou desenvolvimentos que ocorriam no Conselho em sessões dedicadas à Etnomusicologia/Musicologia Comparada na Escola de Música da UFRJ.