Orientação: análise de processos e procedimentos refletidos, inter- e transdisciplinares


Os trabalhos da Academia Brasil-Europa relacionados com o antigo Território do Rio Branco remontam aos anos que prepararam a fundação, em 1968, da entidade que hoje constitui a Organização Brasil-Europa de estudos de processos inter- e transculturais e de estudos culturais em relações internacionais


Pesquisadores de São Paulo constatavam, em fins dos anos sessenta, um insuficiente estado dos conhecimentos relativos a várias regiões do Brasil, entre elas a de Roraima. Ao mesmo tempo, porém, reconhecia-se a necessidade de condução desses estudos de forma interdisciplinar, devidamente refletida, uma vez que aqui ocorriam complexos processos de encontros e interações de esferas culturais. A cooperação entre etnólogos, folcloristas, sociólogos, arquitetos e historiadores da cultura surgia como indispensável.


Roraima no anelo renovador dos Estudos Culturais


A consciência  da necessidade de estudos culturais mais aprofundados de Roraima foi despertada por ocasião de uma apresentação, em São Paulo, de Macunaíma, de Mário de Andrade. Essa realização chamou a atenção para a presença de Roraima em obra de significado para a criação artística, para a história do pensamento estético, das reflexões culturais e para a linguagem de imagens do Brasil, em particular de São Paulo.


Lembrou-se, então, que o interesse por Roraima  foi em grande parte despertado inicialmente no Exterior, através da obra de mesmo nome do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg. Significativamente, o antigo Território do Rio Branco estava presente nos estudos culturais sobretudo na área da Etnologia.


Constatou-se, assim, um complexo de relações entre diferentes áreas do conhecimento, de influências mútuas, supra-regionais e mesmo internacionais, o que exigia, para ser adequadamente considerado, a superação de fronteiras disciplinares. O direcionamento da atenção a processos, sobretudo daqueles de difusão, prometia contribuir ao transpasse desses limites entre a Etnologia, o Estudo do Folclore e a da História Cultural e das Idéias.


Roraima na Músico-Etnologia e pesquisa de fontes


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Roraima Foto A.A.Bispo©
eira consideração mais específica de Roraima sob o aspecto então preconizado do estudo de processos de difusão deu-se no âmbito da disciplina Etnomusicologia, pioneiramente introduzida, no sentido próprio do termo, em 1972 em cursos de Licenciatura da Faculdade de Música e Educação Artí´stica do Instituto Musical de São Paulo.


Esses estudos se desenvolveram com base na literatura existente, considerando-se sobretudo a obra de Koch-Grünberg. Para isso, realizaram-se levantamentos bibliográficos dos materiais acessíveis nas bibliotecas de São Paulo e do Rio de Janeiro e traduzidos, ainda que de forma resumida.


Estudos em rêdes internacionais. Projeto Roraima-Europa "Theodor Koch-Grünberg"


A partir de 1974, esses estudos de fontes teve continuidade em bibliotecas européias. Um dos objetivos desse programa foi o de localizar e estudar textos até então desconhecidos referentes a Roraima e materiais coletados por pesquisadores. Considerando-se o significado da obra e da vida de Koch-Grünberg, decidiu-se designar segundo o seu nome o programa de estudos de levantamento de fontes sobre Roraima na Europa e de relações entre Roraima e a Europa.


Bases teóricas de interpretações de sentido de expressões culturais


A leitura mais cuidadosa de textos de Koch-Grünberg despertou a atenção para o Parischerá, expressão cultural descrita pelo pesquisador e que surgia como de especial significado para a compreensão do universo de concepções e imagens dos indígenas.


Koch-Grünberg salientara que a chave para a compreensão dessa manifestação dançada seria um longo mito. O Parischerá seria uma espécie de representação do conteúdo mítico, teria assim um sentido intrínseco. Assim como o Tukúi seria a dança de todos os pássaros e peixes, o Parischerá seria, na sua linguagem visual exterior, a dança dos porcos e de todos os quadrúpedes.


Essas constatações e considerações de Koch-Grünberg despertou a consciência de que não apenas as expressões culturais "folclóricas", mas sim também as indígenas necessitavam de estudos teóricos mais diferenciados para a elucidação de seus sentidos inerentes. Não a projeção de interpretações externas quanto à função e o significado dessas expressões, mas a procura de sentidos próprios da manifestação deveria estar no centro das preocupações.


Se, porém, no caso de expressões da cultura festiva de tradições católicas a percepção do sentido da linguagem visual poderia fundamentar-se em estudos do edifício de concepções e de aportes hermenêuticos, no caso das expressões indígenas o pesquisador defrontava-se com uma situação muito mais complexa. A cuidadosa reflexão sobre os próprios procedimentos analíticos e os seus pressupostos teóricos surgia aqui como ainda mais necessária. A compreensão do sentido subjacente à linguagem visual dessas expressões representava, porém, uma exigência para o estudo de suas interações com tradições de origem européia e, portanto, para a análise de transformações culturais.


O Parischerá tornou-se, assim, quase que um emblema para uma preocupação que dominou grande parte do trabalho dos anos seguintes.


Estudos de fundamentos e de processos transformatórios


Roraima Foto A.A.Bispo©
No Congresso pelos 500 anos do descobrimento da América, realizado no Rio de Janeiro, em 1992, voltou-se à questão do Parischerá como possível chave para o estudo de fundamentos, tanto no sentido de fundamentos do edifício de concepções e imagens, como de epistemologia da própria pesquisa cultural.


Esse interesse pelas culturas indígenas de Roraima levou a que se reservasse a esse Estado uma posição especial no âmbito do projeto voltado ao estudo das culturas musicais indígenas apoiado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, de órgãos ministeriais do Brasil, da FUNAI, de universidades do Brasil e do Exterior e organizações eclesiais.


Em reunião no Departamento de Etnologia do Museu Nacional, a sua diretora, a  Profa. Dra. Heloisa Fenelon, propôs que se realizasse uma viagem com pesquisadores da entidade a essa região, uma vez que ali já se encontrava um pesquisador indígena de formação acadêmica que poderia servir como mediador cultural.


Para a preparação desse empreendimento e para o contato com instituições e pesquisadores locais para a cooperação internacional na área dos estudos culturais, a A.B.E. realizou encontros e trabalhos de pesquisa em Roraima. Entre as instituições que cooperaram com os trabalhos deve-se salientar sobretudo a Biblioteca do Estado, que possibilitou reuniões com pesquisadores de várias disciplinas.


Realizaram-se também encontros na Universidade - onde o interesse foi dirigido sobretudo à simbologia organológica a partir de flautas de ossos de veados, comum a várias culturas indígenas das Américas -, assim como na Secretaria da Educação e Cultura de Boa Vista e na Diocese.


Na ocasião de um encontro do Conselho Indigenista Missionário, porém, teve-se que constatar que a realização do projeto defrontar-se-ia com grandes dificuldades e vinha em hora não oportuna no contexto dos interesses e das tensões locais.


Nessa ocasião, realizaram-se visitas para pesquisas e observações a populações ribeirinhas, aos restos do Forte de São Joaquim e à comunidade indígena da Fazenda São Marcos. Aqui, com ancião macuxí migrado de sua região de origem, foi possível registrar, de sua memória, cantos de gêneros descritos por Koch-Grünberg há décadas atrás.


A maior preocupação dos trabalhos foi a de alcançar a participação de indígenas nas reflexões e no próprio trabalho internacional. Para isso, realizou-se uma visita ao centro indígena de Boa Vista, quando então foi ali considerado o material conservado pela comunidade.


Contribuição de Roraima ao desenvolvimento dos estudos culturais em geral


Ainda que o projeto concebido não tenha podido ser concretizado na sua amplitude, Roraima desempenhou um papel significativo no desenvolvimento dos estudos culturais nos anos seguintes.


Os cantos registrados na Fazenda São Marcos - e as elucidações do cantor - forneceram bases para cotejos, foram tratados em cursos universitários na Europa e deram origem a estudos, em parte publicados. A questão da compreensão da linguagem visual de várias expressões pôde ser tratada de forma mais aprofundada.


Estudantes brasileiros, norte-americanos e alemães ocuparam-se com essas questões, tratando-as também com base na literatura concernente a países limítrofes, da Guiana Inglêsa e da Venezuela. Os estudos relativos a Roraima, considerando necessariamente migrações indígenas e resultados de antigas missões, inclusive protestantes da esfera britânica, aguçaram a sensibilidade para elos transnacionais e para a necessidade de estudos dessa região em contextos mais amplos, inserindo o Norte da América do Sul e o Caribe.


No âmbito do triênio pelos 500 anos do Brasil, Roraima foi particularmente considerada em trabalhos apresentados em colóquio da A.B.E. dedicado às culturas indígenas da Amazônia. Nessa ocasião, lançou-se uma publicação com um estudo desenvolvido com mestrandos sobre materiais resultantes das pesquisas.




Publicações
relacionadas com os trabalhos:

Bispo, Antonio A. "Zur Situation der Forschung in den einzelnen brasilianischen Bundesstaaten: Roraima", in Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens II: ein Projekt unter Leitung von A. A. Bispo durchgeführt mit Unterstützung durch das Auswärtige Amt der Bundesrepublik Deutschland, Musices Aptatio, Liber Annuarius - 1996/97 - Jahrbuch, Roma e Colonia, 1999, 7-34

---------."Die Musikkulturen der Indianer Brasilens: Stand und Aufgaben der Forschung IV - Zur Geschichte der Forschung", in Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens IV (...) Musices Aptatio, Liber Annuarius 2000/2001, Jahrbuch, Roma-Colonia 2002, 9-419

-------- "Diskussion und Untersuchung von Klang- und Bilddokumentationen: Einige Arbeiten/Discussão e exame de documentações sonoras e visuais: alguns trabalhos", ibidem, 467-471

Duck, David, "A recording of Äräruia (Halleluia) from the Macushi in Roraima", ibidem, 504-511



Cronologia
dos trabalhos

1968. São Paulo. Fundação da sociedade para estudos de processos culturais e de difusão (ND), atual Organização Brasil-Europa. Revisão da literatura concernente aos Estados do Brasil sob o aspecto de desenvolvimentos processuais no passado e no presente

1970. São Paulo. Discussão de Macunaíma de Mário de Andrade. Atenção ao papel exercido por Roraima na história cultural, da criação literária e do desenvolvimento do pensamento estético no Brasil do século XX.

1972. São Paulo. Roraima no programa da disciplina Etnomusicologia, introduzida na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo. Levantamento de fontes bibliográficas em bibliotecas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Estudo de textos de Theodor Koch-Grünberg traduzidos para o português.

1974. Hamburgo, Londres, e Berlim. Início do levantamento de fontes históricas e materiais relativos aos Estados do Brasil. Estudo de textos desconhecidos no Brasil de Th. Koch-Grünberg.

1975. Londres, Paris e Colonia. Instituto de Etnologia e Instituto de Musicologia. Estudo da bibliografia da região e de regiões vizinhas, da área amazônica brasileira, da Venezuela e das Guianas, com particular consideração de obras de Robert e Richard Schomburgh.

1976. Colonia, Maria Laach e Roma. Início dos trabalhos em rêdes institucionais eclesiásticas, em bibliotecas e museus missionários de vários países e do Vaticano. Estudo de significado de expressões culturais, em particular do Parischerá descrito por Theodor Koch-Grünberg. Discussão de paralelos com mecanismos então em análise de expressões culturais do repertório cristão europeu de manifestações lúdico-festivas. Reflexões sobre a necessidade de compreensão e reconstrução de edifícios de concepções e imagens, com os seus mecanismos e sentidos intrínsecos para poder-se tratar, em segundo passo, de suas interações em processos de transformação cultural.

1987. São Paulo. Constatação do estado insuficiente de conhecimentos relativos à pesquisa cultural de Roraima no I Congresso Brasileiro de Musicologia e na reunião para a América Latina do Conselho Internacional de Música/UNESCO.

1992. Rio de Janeiro. Contato com antropólogos do Departamento de Etnologia do Museu Nacional para a realização de trabalhos de pesquisa em Roraima no âmbito de um projeto internacional dedicado ao levantamento do estado de conhecimentos relativos às culturas indígenas e dos processos de transformação cultural em andamento.

1993. Boa Vista e outras localidades. Viagem de observações, contatos e pesquisas para a preparação de viagem de antropólogos do Museu Nacional e desenvolvimento de projetos voltados à integração da Roraima nos trabalhos e reflexões em contextos euro-brasileiros da A.B.E. Encontros na Biblioteca Estadual de Boa Vista, na Universidade, na Secretaria de Cultura, na Diocese, no CIMI e em organizações indígenas. Visita a aldeias.

2000. Colonia e Maria Laach. Lançamento do relato dos trabalhos referentes aos estudos culturais de Roraima sob o aspecto geográfico-cultural, histórico, etnológico e da situação e perspectivas da pesquisa músico-cultural.

2002. Colonia. Colóquio da A.B.E. e da Universidade de Colonia com a apresentação de trabalhos acadêmicos sobre temas e materiais gravados de Roraima.




Materiais
Apenas os disponíveis nos sites da A.B.E.

(em elaboração)

  1. A elaboração aquarelística de fotografia de Tuyuka do Uaupés de Theodor Koch-Grünberg (1872-1924) por Curt Agthe (1862-1943) e a sensibilidade estética do indígena segundo Elisabeth Krickeberg (1861-1944) à luz de ideais de beleza e moda de início do século XX

  2. A mulher na valorização da arte indígena. Lembrando artigo sobre o plumário de Elisabeth Krickeberg (1861-1944) a partir do papel do homem e de ligas masculinas de Heinrich Schurtz (1863-1903) sob o pano de fundo de um desenvolvimento de reflexões remontante ao Brasil

  3. Estudos introdutórios: nome e imagem

  4. Estudos introdutórios: condições ambientais

  5. Historiografia

  6. Etnologia

  7. Musicologia

  8. Theodor Koch-Grünberg

  9. Vista Alegre, São Marcos. Entrevista com Adolfo Makuxi





 






Fotos A.A.Bispo
© Arquivo da A.B.E.

 

BRASIL-EUROPA
www.brasil-europa.eu
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (registrada em 1968)


Academia Brasil-Europa
de Ciência da Cultura e da Ciência
e institutos integrados ISMPS/IBEM

Dir. Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo

 
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RORAIMA

 

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