Rondonia. Foto A.A.Bispo©


Orientação: análise de processos e procedimentos refletidos, inter- e transdisciplinares


Os trabalhos da Academia Brasil-Europa relacionados com o antigo Território do Guaporé remontam aos anos que prepararam a fundação, em 1968, da entidade que hoje constitui a Organização Brasil-Europa de estudos de processos inter- e transculturais e de estudos culturais em relações internacionais.


Rondonia. Foto A.A.Bispo©


Na época, pesquisadores de São Paulo constatavam o insuficiente estado dos conhecimentos relativos a várias regiões do Brasil, entre elas a de Rondônia. Ao mesmo tempo, porém, reconhecia-se a necessidade de condução desses estudos de forma interdisciplinar, uma vez que aqui ocorriam complexos processos de encontros e interações de esferas culturais. A cooperação entre etnólogos, folcloristas, sociólogos e historiadores da cultura surgia como indispensável.


            
Rondonia. Foto A.A.Bispo©



Rondônia no anelo de atualização de conhecimentos


A consciência da necessidade de estudos culturais mais aprofundados de Rondônia foi uma decorrência da presença mais intensa dessa região na discussão pública com a abertura de estradas, a implantação de novos núcleos e de empreendimentos em meados da década de sessenta e início dos anos setenta.


Os pesquisadores, em particular aqueles do Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore constataram, então, a quase que completa ausência de informações sobre as expressões culturais da Rondônia. Procurou-se, assim incentivar o desenvolvimento de pesquisas de campo, uma tarefa que seria empreendida por Marcel Jules Thieblot.


Essa nova atenção pela Rondônia, porém, trouxe à consciência mais uma vez a necessidade de uma revisão da definição do objeto de estudo da disciplina e de seus enfoques. A situação de intensa transformação que ocorria com a abertura do território exigia procedimentos dirigidos a processos de mudança, à dinâmica de situações, a migrações, não a considerações de esferas culturais determinadas por distinções entre o erudito, o popular e o folclórico. Perspectivas interdisciplinares, que considerassem processos históricos, sociais, econômicos e de difusão cultural impunham-se como exigência para análises adequadas.


A própria constante lembrança do nome do General Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) na designação do Estado trazia à consciência o significado histórico-cultural de vias de comunição para a ligação do território do Guaporé a outras regiões do Brasil:  fluvial ao Amazonas, fluvial e por estrada de ferro Madeira-Mamoré à Bolívia, por telégrafo e estradas com o Sul.


A história do Estado estava marcada por migrações, também de regiões e contextos culturais longínquos. Sobretudo, porém, o nome de Rondon trazia à consciência questões relativas ao indígena, a concepções de proteção segundo o antigo Serviço de Proteção aos Índios,  a de transformação dirigida e sistemática de culturas, a de integração na sociedade nacional. Com essas características, a consideração cultural da Rondônia  necessitava considerar privilegiadamente processos de mudança.


   
A.B.E.


Rondônia na Músico-Etnologia e na pesquisa cultural


Primeira consideração mais específica de Rondônia sob esse aspecto deu-se no âmbito da disciplina Etnomusicologia, pioneiramente introduzida, no sentido próprio do termo, em 1972, em cursos de Licenciatura da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo.


Esses estudos puderam basear-se em dados trazidos por pesquisadores vinculados ao movimento de renovação teórica que haviam visitado áreas que então se abriam, em particular estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.


Estudos em rêdes internacionais. Projeto Rondônia/Europa "E. Heinrich Snethlage"


A partir de 1975, esses estudos de fontes teve continuidade em bibliotecas européias. Um dos objetivos desse programa foi o de localizar e estudar textos até então desconhecidos referentes a Rondônia, assim como materiais coletados por pesquisadores e conservados em museus. Considerando-se o significado da obra de E. Heinrich Snethlage, autor de obra monumental sobre os instrumentos dos indigenas do Guaporé (1939), decidiu-se designar o projeto de estudos de relações entre Rondônia e a Europa segundo o seu nome.


            


Bases teóricas de interpretações de sentido de processos culturais


A leitura mais cuidadosa de textos do General Rondon e de nomes vinculados ao antigo SPI despertou a atenção para a necessidade de se considerar as concepções teóricas - ou filosófico-ideológicas - que orientaram procedimentos relacionados com a transformação das culturas indígenas e compreensões de civilização e desenvolvimento.


Se com relação a outros Estados do Brasil a atenção foi antes dirigida a intuitos de compreensão de sentidos de expressões culturais segundo e aos critérios adequados para a análise de concepções intrínsecas ou imanentes, no caso da Rondônia a preocupação foi antes a de considerar o edifício filosófico-teórico, positivista-cientificista que fundamentou procedimentos do passado e que podem continuar vigentes no presente, ainda que de forma subjacente.


A partir de 1977, procurou-se desenvolver os estudos de fontes e a obtenção de informações através de rêdes eclesiais e através de contatos com religiosos e missionários sensíveis a questões etnográficas. Esses trabalhos foram desenvolvidos em instituições vinculadas a organizações pontifícias.


Constatou-se, aqui, porém, de forma manifesta, incongruências  relativamente a concepções positivistas que orientaram processos postos em vigência no passado com aqueles correspondentes a correntes de pensamento de fundamentação teológica e, consequentemente, de posicionamentos culturais da Igreja. Uma das preocupações foi, aqui, a de constatar afinidades e diferenças, procurando-se possibilidades de relacionamento entre edifícios conflitantes de concepções com o objetivo de obtenção de critérios mais adequados para a análise de situações incoerentes resultantes de suas aplicações.


Estudos de fundamentos e de processos transformatórios


No Congresso pelos 500 anos do descobrimento da América, realizado no Rio de Janeiro, em 1992, decidiu-se a ida de pesquisadores da A.B.E. à Rondônia com o objetivo de realização de contatos com instituições e pesquisadores. Para o estudo de fundamentos proposto pela temática do congresso, entendidos como fundamentos culturais e bases epistemológicas da própria pesquisa, fazia-se necessário observar in loco a situação das mudanças culturais e das interpretações e análises por parte de pesquisadores e outros observadores com experiência de situações.


Os trabalhos foram possibilitados sobretudo pelo Conselho Indigenista Missionário - CIMI - de Porto Velho, que permitiu a consulta de seus acervos, em particular de sua coleção de recortes de jornais com informações a respeito de ações e movimentos que documentam transformações ambientais e culturais. Desenvolveram-se também estudos no Museu do Estado.


Contribuição de Rondônia para o desenvolvimento dos estudos culturais em geral


No âmbito do Triênio pelos 500 anos do Brasil, Rondônia foi  considerada em trabalhos apresentados em colóquio da A.B.E. dedicado às culturas indígenas, em 2002. Universitários europeus foram levados a ocupar-se com temas relativos aà Rondônia em vários seminários desenvolvidos nas universidades de Bonn e Colonia, assim como em colóquios da A.B.E..




Publicações
relacionadas com os trabalhos

Bispo, Antonio A. "Zur Situation der Forschung in den einzelnen brasilianischen Bundesstaaten: Rondonia", in Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens II: ein Projekt unter Leitung von A. A. Bispo durchgeführt mit Unterstützung durch das Auswärtige Amt der Bundesrepublik Deutschland, Musices Aptatio, Liber Annuarius - 1994/95 - Jahrbuch, Roma e Colonia, 1997, 43-72
---------."Die Musikkulturen der Indianer Brasilens: Stand und Aufgaben der Forschung IV - Zur Geschichte der Forschung", in
Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens IV (...) Musices Aptatio, Liber Annuarius 2000/2001, Jahrbuch, Roma-Colonia 2002, 9-419

Fernandez, Luis. "Enauené-naué, "Beneditinos da Floresta": alguns aspectos do ritual Yaunkwá/Enauené-naué, "Benediktiner des Waldes": Einige Aspekte der Rituale Yaunkwá", in A.A.Bispo, Die Musikkulturen Brasiliens III, Musices Aptatio, Liber Annuarius - 1998/99 - Jahrbuch, Roma e Colonia, 2000, 271-278

Lessauer, Claude. "Kulturelle und musikalische Aspekte der Musik der Nambiquara, Mato Grosso/Aspectos culturais e musicais da música dos Nambiquara, Mato Grosso", in Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens II, Musices Aptatio, Liber Annuarius 1996/97, Jahrbuch, Roma-Colonia 1999, 267-438



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Cronologia
dos trabalhos


1968. São Paulo. Fundação da sociedade para estudos de processos culturais e de difusão (ND), atual Organização Brasil-Europa. Revisão da literatura concernente aos Estados e Territórios do Brasil sob o aspecto de desenvolvimentos processuais no passado e no presente.

1970. Rondônia. Viagem de estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP às regiões de expansão econômica e colonizadora do norte do Mato Grosso e da Rondônia no contexto de programas oficiais. Observações, materiais e fotografias são apresentadas e discutidas. Conscientização da necessidade de estudos das transformações que então ocorriam, o que apenas podia ser feito com o uso de enfoques de diferentes disciplinas.

1971. São Paulo. Apresentação dos materiais e discussão na Escola de Folclore do Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo. Constatação da situação insuficiente das pesquisas. Para além da bibliografia etnológica e dos dados de cunho técnico e econômico, quase nada havia a respeito do "folclore" da região.

1972. São Paulo. Consideração da Rondônia no âmbito do curso de Etnomusicologia, então estabelecido na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo. Cooperações de Helza Cameu e Desidério Aytai (etnologia indígena) e dados obtidos dos estudantes que haviam estado em zonas de imigração, entre elas em Vila de Rondônia, Vilhena, Cacoal, Ariquemes e Pimenta Bueno.

1974. Hamburgo, Londres e Berlim. Início do levantamento de fontes e materiais referentes aos Estados do Brasil em bibliotecas e museus da Europa.

1975. Londres, Paris e Colonia. Instituto de Etnologia e Instituto de Musicologia. Estudo da bibliografia da região e de regiões vizinhas, da área amazônica brasileira e da Bolívia, com particular consideração de obras de E. Heinrich Snethlage.

1977. Colonia, Maria Laach e Roma. Início dos trabalhos em rêdes institucionais eclesiásticas, em bibliotecas e museus missionários de vários países e do Vaticano. Estudo de significado de expressões culturais tradicionais do repertório lúdico de proveniência européia constatadas na Rondônia (e.o.Folias, Boi, Congadas).

1978. Colonia, Maria Laach. Debate a partir da apresentação do livro recém-publicado de Marcel Jules Thiéblot (Rondônia: um folclore de luta, São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humans, 1977). O autor, que estudou no Museu de Folclore, havia visitado o Território em 1972, 1973 e 1975, terminou a sua obra levantando questões a respeito do futuro de Rondônia e da função do pesquisador. Para êle, o seu papel não deveria limitar-se ao observar, registrar e analisar, mas sim ao de valorizar o povo e a sua cultura, ajudando a valorizar-se a si mesmo.

1981. São Paulo. Simpósio Internacional dedicado ao tema Diversidade na Unidade e Unidade na Diversidade. Sessão no Museu de Folclore com a participação de representantes das universidades de Berlim e de Colonia sobre o problema das diferentes perspectivas dos pesquisadores da "cultura espontânea" e das culturas indígenas, o que se manifestava de forma expressiva na Rondônia. Lembrou-se, aqui, da linha de pensamento da organização fundada em 1968 e que defendia uma superação de categorizações do objeto a favor de um direcionamento da atenção a processos.

1987. São Paulo. Constatação do estado insuficiente de conhecimentos relativos à pesquisa músico-cultural de Rondônia no I Congresso Brasileiro de Musicologia e na reunião para a América Latina do Conselho Internacional de Música/UNESCO.

1989. Speyer, Eibingen, Bonn, Colonia. Apresentação, no colóquio internacional dedicado a tradições religiosas e sincretismo no Brasil, do trabalho de pesquisa de campo de Martha Haug sobre expressões culturais de Vila Bela da Santíssima Trindade, em particular sobre as Congadas.

1992. Rio de Janeiro. Apresentação de trabalhos de pesquisa no âmbito das relações França-Brasil sobre a Festa do Divino em Costa Marques (Rio Guaporé) pelo etnomusicólogo francês Dr. Daniel Loddo, do Groupement d'Éthnomusicologie/Midi-Pyrénées, acompanhado pela exposição da Dra. Julieta de Andrade sobre a Festa do Divino Espírito Santo nas suas relações com o Cururu e os trovadores sul-franceses medievais.

1992/93. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Goiás. Contatos preparatórios com Centro Ecumênico de Documentação e Informação, com o Departamento de Etnologia do Museu Nacional, com o Museu do Índio, com a FUNAI e com conhecedores de situações regionais, entre êles o bispo de Goiás, para a discussão de modos de procedimento para o desenvolvimento do projeto.

1993. Porto Velho e outras localidades. Viagem de observações, contatos e pesquisas. Encontros e estudos na seção região do Conselho Indigenista Missionário, no Museu do Estado e em comunidades. Contatos com missionários de diferentes confissões para a obtenção de dados e informações relativamente às transformações culturais nas várias regiões.

1998. Lagos e Braga. Lançamento do volume com os resultados dos trabalhos desenvolvidos e das pesquisas em desenvolvimento na Rondônia no âmbito do  Simpósio Internacional "Oriente e Ocidente: Cultura Músical e Espírito“.

1999. Colonia. Congresso Internacional "Música e Visões" para a abertura de triênio da A.B.E. pelos 500 anos do Brasil. Lançamento do volume com pesquisa universitária sobre a cultura nhambiquara, realizado na Suíça.

2001. Colonia. Apresentação e discussão de publicação com o estudo sobre o povo Enauené-naué de Luís Fernandez no Colóquio "Brasil 2001" da A.B.E..

2002. Colonia. Colóquio sobre as relações entre a Europa e as culturas indígenas da A.B.E. por motivo da Campanha da Fraternidade da CNBB "À procura de uma terra sem males". Publicação e discussão de trabalhos acadêmicos de estudantes europeus realizados a partir de materiais provenientes da Rondônia.




Materiais
Apenas os disponíveis nos sites da A.B.E.

(em elaboração)

  1. O homem intrépido em situações de rush e a problemática do primado da ação em processos sócio-culturais nas Américas

  2. Ferrovias da riqueza e morte: Madeira-Mamoré e White Pass and Yukon. Pelo centenário e nascimento do historiador Manoel Rodrigues Ferreira (1915-2010)
    I - Estudos da Madeira-Mamoré e sua recepção no Exterior: „Die Gummibahn“ (1960) de Franz Caspar(1916-1977)
    II - Comparando museus ferroviários: Porto Velho e Skagway

  3. Sem fronteiras! Fraternidade Ártica e Brasil Transepocalidade do bandeirantismo e Maçonaria em regiões de rush.100 anos de nascimento de Manoel Rodrigues Ferreira (1915-2010), presidente da „Ordem Nacional dos Bandeirantes“ e 20 anos de falecimento de Abguar Bastos (1902-1995)

  4. Hallo Dolly! Luz vermelha & síncopes. Prostituição, música, dança, jogo e bebidas em regiões de rush: Club Internacional de Porto Velho, barracões de seringais do Acre e dance halls no Alasca

  5. A polifonia na música de alguns grupos indígenas brasileiros

  6. Fontes estrangeiras para uma história da apreensão das culturas indígenas: Erich Wustmann / Texte europäischer Reisender als Quellen einer Geschichte fremder Wahrnehmung: Erich Wustmann

  7. Filmes documentários como fontes históricas para a pesquisa e a reconstrução da história e da identidade indígenas / Dokumentarfilme als historische Quellen für Wissenschaft und Rekonstruktion indigener Geschichte und Identität




 




Fotos A.A.Bispo
© Arquivo da A.B.E.

 

BRASIL-EUROPA
www.brasil-europa.eu
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (registrada em 1968)


Academia Brasil-Europa
de Ciência da Cultura e da Ciência
e institutos integrados ISMPS/IBEM

Dir. Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo

 
©

RONDONIA

 

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